segunda-feira, 2 de maio de 2011


DEPOIMENTOS
Rubem Alves: "Aprendi pela minha recusa em aprender"
 
 O escritor lembra os seus anos de escola e revela qual foi seu professor mais marcante

Rubem Alves não perdia uma aula de literatura
Acho que foi Mark Twain que disse: "Nunca permiti que a escola interferisse na minha educação..." Fiquei a pensar: o que foi que a escola me ensinou? - pergunta que é diferente de uma outra, "o que aprendi na escola?".
Aprendi muito na escola "a despeito dela": ela foi apenas o espaço onde encontrei professores que me ensinaram a pensar. Aprendi pela minha recusa em aprender. Já ao fim da sua vida, Brunno Betelheim, falando de sua experiência com a escola, declarou: "Na escola os professores tentavam ensinar aquilo que eles queriam ensinar mas eu não queria aprender. Por isso não aprendi..."

Lembro-me bem do jovem professor de literatura - disciplina pela qual eu nutria uma grande ogeriza. Ele nunca ensinou análise sintática, nem pediu que fizéssemos "fichamentos"e  nem fazia chamada. Éramos livres para deixar a sala, se quiséssemos. Mas ninguém deixava... Ninguém queria perder o prazer de vê-lo encarnar as grandes obras da literatura.
Foi assim que a escola me ajudou: forçando-me a pensar ao contrário dos meus próprios pensamentos...
 
Rubem Alves é psicanalista e educador. É autor de diversos livros e artigos, entre eles uma série de livros infantis



DEPOIMENTOS
Viviane Senna: "A escola era um mundo de descobertas"

A presidente do Instituto Ayrton Senna conta por que decidiu dedicar a vida a ajudar crianças e jovens
Na escola, Viviane Senna percebeu que as diferenças agregam
A escola era, para mim, um mundo de descobertas. Tudo o que eu ouvia ampliava meu mar de questões. Na escola aprendi sobre mim mesma, sobre disciplina e convivência. Percebi que as diferenças agregam. Foram anos de intenso aprendizado, não só relacionado às disciplinas, mas, também, a tudo que envolvia aquele ambiente, das pessoas aos acontecimentos. Fui privilegiada. Estudei em escolas boas que me prepararam para o futuro.
Hoje, passado tanto tempo, tenho a certeza de que os primeiros anos foram mais que fundamentais. Não só para minha formação cognitiva, mas, especialmente, para fortalecer meus valores e crenças, dar-me oportunidades para eu preencher o ‘meu copo’, sem desperdícios ou faltas.
Essa certeza é que me leva a dedicar uma boa parte de minha vida - dezesseis anos até aqui - a ajudar crianças e jovens a também receberem uma Educação de qualidade para que tenham a mesma chance que eu tive. E que isso aconteça independentemente da situação social em que se encontram. Os anos de escola me ensinaram muito. Ensinaram, sobretudo, que qualquer criança é capaz de aprender e que todo professor é capaz de ensinar.   

Viviane Senna é presidente do Instituto Ayrton Senna. É graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica em São Paulo

domingo, 1 de maio de 2011



DEPOIMENTOS
 Mário Sérgio Cortella: "Nunca saí da escola"
O filósofo fala sobre a importância de estar no meio acadêmico até hoje

Mário Sérgio Cortella soma 24 anos como aluno e 36 anos como professor
Faz mais de meio século que estou na escola! Já pensou? Entrei como pequeno aluno, aos seis anos de idade, e nunca mais saí. Desses 50 anos de educação escolar, usando termos de agora, um foi de Educação Infantil, nove de Ensino Fundamental (ainda não eram nove, mas fui reprovado uma vez...), três de Ensino Médio, três de curso superior (fiz os quatro da Filosofia em menos tempo), três de mestrado e cinco de doutorado. Então, no total como diretamente aluno somo 24 anos discentes.
 
No entanto, como comecei a dar aulas na universidade com 22 anos de idade, e parte da docência foi concomitante com a formação como mestre e doutor, somo 36 anos docentes... Mais de meio século de partilha de emoções, de fruição das convivências, de entristecimento eventual com os dissabores, de elevação da mente com informações e conhecimentos, de persistência nas dores e delícias, de robustecimento das competências, de preparação para proteger futuros, de alegria pela obra coletiva a partir das inspirações e ações também individuais. 
Não seria eu como agora sou sem essa trajetória, não seria como agora se nela não tivessem me acolhido.

Mário Sérgio Cortella é filósofo, mestre e doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo



  
EVASÃO ESCOLAR

Responsabilizar o aluno pelo abandono é a saída mais fácil. Na verdade, ele é o menos culpado. Pesquisas indicam que existem dois conjuntos de fatores que interferem no abandono escolar. O primeiro deles é o chamado risco social. Fatores como a condição socioeconômica e o lugar de residência podem aumentar a pressão para a desistência: com a necessidade de complementar a renda familiar, muitos jovens são atraídos pelo trabalho precoce e largam os livros
Responsabilizar o aluno pelo abandono é a saída mais fácil. Na verdade, ele é o menos culpado. Pesquisas indicam que existem dois conjuntos de fatores que interferem no abandono escolar. O primeiro deles é o chamado risco social. Fatores como a condição socioeconômica e o lugar de residência podem aumentar a pressão para a desistência: com a necessidade de complementar a renda familiar, muitos jovens são atraídos pelo trabalho precoce e largam os livros.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, apenas 21,8% dos adolescentes que têm ocupação continuam indo às aulas. Entretanto, os estudos mostram que a própria escola colabora para agravar a evasão. Os altos índices de repetência exercem um papel fortíssimo - longe de sua faixa etária original, o aluno se sente desmotivado a seguir aprendendo.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, apenas 21,8% dos adolescentes que têm ocupação continuam indo às aulas. Entretanto, os estudos mostram que a própria escola colabora para agravar a evasão. Os altos índices de repetência exercem um papel fortíssimo - longe de sua faixa etária original, o aluno se sente desmotivado a seguir aprendendo.
A miopia para enxergar o problema atrapalha. Em geral, a interrupção dos estudos é o passo final de um processo que deixa sinais. O primeiro costuma ser o desinteresse em sala. Indisciplina e atos de violência também são comuns. Logo começam as faltas, cada vez mais frequentes. Por fim, a ausência definitiva. Também são recorrentes, sobretudo entre os jovens, as queixas de que a escola "não serve para nada".

Estudioso da relação entre os jovens e o saber, o pesquisador francês Bernard Charlot descobriu que a maioria só vê sentido em ir à escola para conseguir um diploma, poder ganhar dinheiro num emprego ou ter uma vida tranquila no futuro. Como predomina a idéia de um aprendizado sem sentido, muitos se desestimulam e desistem. O relatório Motivos da Evasão Escolar, da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta que o desinteresse é a causa principal da saída definitiva para adolescentes entre 15 e 17 anos.

Estudioso da relação entre os jovens e o saber, o pesquisador francês Bernard Charlot descobriu que a maioria só vê sentido em ir à escola para conseguir um diploma, poder ganhar dinheiro num emprego ou ter uma vida tranquila no futuro. Como predomina a ideia de um aprendizado sem sentido, muitos se desestimulam e desistem. O relatório Motivos da Evasão Escolar, da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta que o desinteresse é a causa principal da saída definitiva para adolescentes entre 15 e 17 anos.

Fica claro que a escola precisa olhar para si própria. Do ponto de vista da gestão, uma providência essencial é atacar as causas da evasão. O acompanhamento eficiente da frequência - que também deve estar na pauta das reuniões pedagógicas - ajuda a mapear o problema e identificar os motivos das faltas. Dependendo da razão, é possível escolher a melhor forma de reverter o quadro: conversas com pais e alunos, visitas às famílias, aulas de reforço e campanhas internas e na comunidade.


O tom deve ser de parceria e acolhimento, nunca de punição. Suspensões e expulsões podem ser rediscutidas. A idéia é simples: se a indisciplina é um dos caminhos que levam à evasão, não faz sentido punir o aluno impedindo que ele vá à escola. Em vez disso, é possível pensar em medidas que modifiquem a rotina do estudante, mas que o mantenham na instituição - estudar sozinho, com a obrigação de acompanhar o conteúdo, é uma alternativa.
 
O tom deve ser de parceria e acolhimento, nunca de punição. Suspensões e expulsões podem ser rediscutidas. A ideia é simples: se a indisciplina é um dos caminhos que levam à evasão, não faz sentido punir o aluno impedindo que ele vá à escola. Em vez disso, é possível pensar em medidas que modifiquem a rotina do estudante, mas que o mantenham na instituição - estudar sozinho, com a obrigação de acompanhar o conteúdo, é uma alternativa.

Uma revisão curricular, sobretudo nas séries em que a evasão é maior (no fim do Ensino Fundamental e no Médio), parece inevitável. O projeto pedagógico precisa garantir que a escola não seja vista como uma obrigação, mas como um espaço de formação para a vida. Isso inclui, de um lado, diálogo com o universo dos jovens (refletindo, por exemplo, sobre o papel das novas tecnologias). De outro, um esforço para mostrar como conteúdos importantes, mas sem tanta aplicação direta (como boa parte dos tópicos da Matemática), são fundamentais para fazer avançar a capacidade intelectual. A mesma preocupação tem de estar presente em iniciativas de Educação em tempo integral ou no contra turno, que para serem efetivas devem estar articuladas com o projeto pedagógico da escola.
 
Uma revisão curricular, sobretudo nas séries em que a evasão é maior (no fim do Ensino Fundamental e no Médio), parece inevitável. O projeto pedagógico precisa garantir que a escola não seja vista como uma obrigação, mas como um espaço de formação para a vida. Isso inclui, de um lado, diálogo com o universo dos jovens (refletindo, por exemplo, sobre o papel das novas tecnologias). De outro, um esforço para mostrar como conteúdos importantes, mas sem tanta aplicação direta (como boa parte dos tópicos da Matemática), são fundamentais para fazer avançar a capacidade intelectual. A mesma preocupação tem de estar presente em iniciativas de Educação em tempo integral ou no contraturno, que para serem efetivas devem estar articuladas com o projeto pedagógico da escola.
É necessário também arrumar o "lado de fora" dos muros, atacando o risco social. Em termos de políticas públicas, atrelar benefícios sociais como o Bolsa Família à frequência escolar funcionou, reduzindo na população atendida de 4,4 para 2,8% o total de crianças e jovens entre 7 e 14 anos fora da escola. Ampliar a ação pode dar bons resultados. Mas é preciso também garantir que esses alunos aprendam. Nesse sentido, uma boa sugestão é adicionar critérios que possam indicar se o estudante de fato avançou, aproveitando o direito a uma Educação de qualidade - e para todos.

É necessário também arrumar o "lado de fora" dos muros, atacando o risco social. Em termos de políticas públicas, atrelar benefícios sociais como o Bolsa Família à frequência escolar funcionou, reduzindo na população atendida de 4,4 para 2,8% o total de crianças e jovens entre 7 e 14 anos fora da escola. Ampliar a ação pode dar bons resultados. Mas é preciso também garantir que esses alunos aprendam. Nesse sentido, uma boa sugestão é adicionar critérios que possam indicar se o estudante de fato avançou, aproveitando o direito a uma Educação de qualidade - e para todos.

EVASÃO ESCOLAR



EVASÃO ESCOLAR
Como manter todos na escola
É fácil culpar o aluno pelo abandono, mas o desafio de diminuir os índices de evasão exige que a escola repense suas práticas cotidianas

                               

Texto
Rodrigo Ratier
Foto: Montagem Mariana Coan sobre foto Marco de Bari
Nenhum a menos: para atrair, a escola deve ser um local de acolhida e de aprendizado
Imagine por um instante o momento mais agudo da aula mais difícil. Meia dúzia de alunos dormem nas últimas fileiras. Um trio troca mensagens de celular. Dois meninos se estapeiam. Uma turma discute sobre futebol. Nas primeiras carteiras, só um pequeno e compassivo grupo se esforça para prestar atenção naquilo que você, aos berros, tenta dizer. Nessas horas, um pensamento emerge: "Gostaria de ensinar apenas para os que querem aprender. Quem não está a fim que saia. Será melhor assim!"

Não será. O desafio de ser professor exige educar todos, sem exceção. O Brasil, por enquanto, está perdendo essa batalha. É verdade que os índices de acesso à Educação avançaram nas últimas três décadas (97,6% das crianças e dos adolescentes entre 7 e 14 anos estão na escola). Mas os indicadores de permanência - a taxa de abandono, que mostra os que não concluíram o ano letivo, e a de evasão, que aponta os que não se matricularam no ano seguinte - não caminharam no mesmo ritmo. Hoje, de cada 100 estudantes que ingressam no Ensino Fundamental, apenas 36 concluem o Ensino Médio.